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30.9.03

Esquisso para guião surreal. 

Um menino conhece uma menina. Encanta-se. Conhece outra. Encanta-se. Divide-se. Aos olhos do rapazinho, fenómenos de desdobramento nas personalidades das rapariguinhas, em que uma passa a ser a outra, começam a revelar-se - elas multiplicam-se - melhor: potenciam-se. O garoto faz olhos moucos e deixa-se deslizar. O encantamento vai prosseguindo até se apaixonar por uma delas - clímax dramático! Segue-se sucessão frenética de acontecimentos: rejeição, revelações, profundas desilusões, fortes descargas emocionais. Gera-se novo drama dentro do drama: a menina por quem não se apaixona parece reclamar do menino falta de honestidade nas suas palavras e acções passadas. Por sua vez, aquela por quem se apaixonou reclama os seus direitos adquiridos de amizade. O garoto esforça-se, estripa-se, para estar à altura das solicitações. Grande desgaste na personagem. A vontade das garotas concretiza-se durante um período limitado. Surge nova personagem feminina. Revela abertura ao moço. Este aproveita o novo embalo para com esta embarcar em nova viagem, quotidianamente mais extrema, sempre à beira do naufrágio, excitante - interlúdio sexual. Mas não é capaz de esquecer as duas meninas que entretanto certificara serem só uma, cada qual metade da outra. Tem saudade e deseja voltar ao mundo bicéfalo. Mas os seus momentos de solidão, que sempre prezou e protegeu, são agora escassos. E quando ocorrem, sente qualquer regresso travado pelo enorme desgaste que a fase em que foi quem queriam que fosse lhe provocou. Teme o derrube de agradáveis situações que guarda desde a primeira fase na sua memória. Mas cede. Volta para uma visita. Entusiasmado pela rocambolesca viagem em que se encontra e pelo próprio reencontro perde a objectividade e comporta-se de forma inaudita. Tal, provoca uma reacção que, ingénuo, não esperava. Como ocorre sempre que cede, desilude-se: desta vez ao ser confrontado com rancor, ridicularização e uma hipocrisia subtil mas chocante. Flashback envolvido em corrosão. Epílogo indefinido.

29.9.03

prova de contacto

26.9.03

ando há três dias a pensar nesta frase do Céline que o meu actual colaborador, o joão, postou (ver abaixo - post de 22.09)...

mas não fui capaz de por a minha cabeça em ordem alfabética, de elaborar um res_post de discurso coerente e minimamente inteligivel...

agradeço-lhe no entanto a citação escolhida, que muito alimentou o meu pensamento...

e, contraditório como de costume, não resisto a aflorar o que foi o gérmen da minha reflexão:

sim, é verdade que nada assusta mais que o desconhecido...
sim, é verdade que a construção filosófica tem algo de distante, relativamente à animalidade grotesca do dia a dia social...
posso compreender que filosofar seja uma reacção natural frente ao desconhecido (como o arrepiar da pele é perante um ruído estranho no escuro). posso compreender que a construção filosófica nos possa servir para escondermos o nosso desconhecido por detrás de lógicas conclusões (como a vasta aridez do deserto se esconde por detrás do cenário de uma animada e colorida cidade de caubóis de cinema).

posso, por fim, entender a filosofia como uma tentativa de fuga. e entendo-a assim como a mais nobre e corajosa de todas - a fuga para a frente.

23.9.03

" Filosofar não é mais do que um outro modo de se ter medo, e só conduz a cobardes dissimulações."


Céline " Viagens ao fim da noite"

1 estória

Há beleza nas paisagens bonitas, sim senhor. Tal como nas trevas?
A exaltação das primeiras é comum. Mais rara a das segundas. Porquê? Pela mesma razão pela qual a Humanidade se limita, desde hà pouco mais de duas décadas, ao fácil_itado? Poderei eu ser acusado do mesmo, por optar por um caminho diverso da massificada auto-estrada de expressão?

Será a primeira e ultima tentativa de explicação de algo que dela não carece:

Revejo no Humano_Ser tudo o que de mais artificial (redundante per se, mas não importa), vicioso, destruidor, desequilibrante, revoltante, jamais terá calcado este chão a que me agarro.

Admiro profundamente o mesmo Ser. Todo o seu conhecimento acumulado, o seu desenvolvimento tecnológico, a sua capacidade de dedicação a causas altruístas, a sua (pressuponho que ainda generalizada) fé na própria matéria prima e capacidade, a sua constante busca de elevação: no fundo, a sua mais convicta humanidade, no sentido Humanista do termo.

Sou, após reflexão, forçado a admitir que ser humano, tanto quanto a minha truncada ilusão permite avistar (nada além do final do presente ciclo), é e sempre será uma massa de indivíduos cada vez menos individualizados, pese embora cada vez mais egotistas, reflexo prático das próprias noções morais de bem e mal, em constante flutuação, e tal como estas, em continuado precário equilíbrio.

Tudo o dito experimento e absorvo no dia a dia.

Reservo-me assim o prazer da exaltação das “trevas” que se escondem em todo o ser_Humano. Porque na minha ausência de melhores capacidades, não sou capaz de indissociar, como factor determinante da qualidade humana, o “bem” que de mim e de vós se projecta, do “mal” que nos mesmos hiberna aguardando em cada um a precisa energia de activação.

Ao fazê-lo, ao cantar o “inferno”, entre outras coisas pretendo ser contraponto. Ser mapa de caminho a preterir, para quem decida levar a vida leve. Inverteria eu próprio minha marcha também, acreditem, mas tal já não me é possível... desci demais ao fundo do poço, onde a escuridão é tão intensa que se confunde com o brilho de um imenso tesouro, a carga tão pesada que os ombros flectem para o solo.

E por nos amar, na nossa essência, com tudo o de belo e de horrendo que transportamos por sob a pele, optei por ser repórter de campanha deste perdido local no mundo que é a metade escondida do âmago de um espírito igual a todos.

Pois somos muitos, os seres; nossas emoções as mesmas, muito poucas, vestidas e transvestidas por todos.

E não acredito no além. Assim, fico-me por aqui.

20.9.03

ruidoso silêncio

19.9.03

fantasmas levaram-me em jornada pelo deserto sanguíneo buscando na besta a concessão de uma volta sem regresso – sem o mais mudo aviso – esbugalharam-se sobre mim olhos como pústulas infectas queimando a atmosfera nasceram do chão e das paredes e do tecto perseguindo-me – tentei esconder-me: multipliquei-me em milhentos eus especados em mim arregalando os olhos – iguais; tentei fugir: vi-me capturado num buraco infecto despejado sem juízo – condenado; tentei lutar: fui vitimado por torturas estupros e inimagináveis violências mais – dolorosas; tentei morrer: sentenciaram-me à danação da existência eterna infindável regresso sem volta – a dar – por mim preso no lodo da precariedade humana – para sempre – ouvi cristalinos os risos gordos dos demónios celestes
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18.9.03

quando o mundo estiver reduzido a um só bosque negro para os nossos olhos espantados - a uma praia para duas crianças sinceras, - a uma casa musical para a nossa clara simpatia - encontrar-vos-ei

quando aqui só haja um velho, belo e calmo, rodeado de um «luxo inaudito» - ajoelhar-me-ei

quando for eu toda a vossa memória - seja aquela que sabe garrotar-vos - estrangularvos-ei

- jean-arthur rimbaud
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17.9.03

outro turno,do checo último, desta vez citado:

se nos recusarmos a dar importância a um mundo que se julga importante, e se não descobrimos nesse mundo nenhum eco do nosso riso, só nos resta uma solução: tomar o mundo em bloco e transformá-lo um objecto do nosso jogo; transformá-lo num brinquedo
.

16.9.03

mais uma vez adulterando kundera:

a soma de todos os tempos da Humanidade resulta no mundo como o conhecemos hoje: comprova-se assim, indubitavelmente, a profunda imoralidade que reside em ser humano
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alcatifa de visceras em decomposicao cortinas manchadas de semen paredes e tecto amarelo-heroina belo lustre de ossadas humanas: dependencia psicose e poesia - arte amante amadora de arte nao necessariamente por esta ordem
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15.9.03

alice
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13.9.03

"Somebody at one of these places asked me: "What do you do? How do you write, create?" You don't, I told them. You don't try. That's very important: not to try, either for Cadillacs, creation or immortality. You wait, and if nothing happens, you wait some more. It's like a bug high on the wall. You wait for it to come to you. When it gets close enough you reach out, slap out and kill it. Or if you like it's looks, you make a pet out of it."

- Charles Bukowski
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12.9.03

"Action Poetry: As in Action Painting, the essence of Action Poetry is speed, spontaneity and responsiveness to the others in the room." 

espinha vertebral do parasita assimétrico
coluna de ouro florido que sustenta o céu

a mesa de madeira o cinzeiro o alcool, o nosso purgatório

e à volta olhos! olhos nas paredes olhos no tecto e olhos no chão.
olhos molhados, lacrimosos
- olhos húmidos como vaginas debruçadas sobre a nossa fronte

e o chão, ah pois, o chão, está negro coberto das nossas priscas imaginárias ou não.
ai ai ai! buracos...


...negros. como a fuligem que se adensa nos meus pulmões, que recobre o meu cérebro. negros como esse útero, meu eterno descanso, meu objectivo último, meu regresso!

fim! e? pois... piolho

de regresso


split (eu e o j) - madrugada de hoje - âncora d'ouro
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11.9.03

recriando num jogo aditivo com a Palavra kunderiana:

não é a causa nem o fim do amor o ser amado, mas o amor próprio
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10.9.03

sinto falta do cheiro do papel. não sei se vou conseguir aguentar muito tempo.

esta era não é a minha... como no retrato de um dos meus mais primários professores, disparado por outro seu contemporâneo, vejo-me no gozo de coisas que durem para sempre: largos muros de granito, robustas prateleiras de mogno, insidiosos vicios...

lá no fundo, na rua, uma velha de pele de cortiça coça os joelhos nus, escavando até fazer sangue. "Não há neto mais bonito que o meu! Não há neto mais bonito que o meu! Não há..."

os cães correm em matilha atrás de uma cadela sarnenta, que empesta os seus faros com o odor almiscarado do cio. tentam, à  vez, a cópula. a femea, prenhe de há pouco tempo, esboça fugas consecutivas, mas é mordida e arrastada a cada tentativa, conseguindo escapar sempre, mas cada vez com mais dificuldade e em breve estará esgotada.

dirijo-me à  igreja.
entro, silencioso, e ajoelho-me.
e nessa posição sonho com sangue e destruição. com o cataclismo universal. com o fogo que me consome a consumir tudo o resto.
sonho, tremendo de calor, em ser proprietário do teu amor.
e em virar o teu corpo do avesso, como quem vira uma meia, para depois te contemplar assim.

sem se aperceber que me encontro alí recluido, o padre atravessa a nave em direcção à sacristia, trauteando uma canção erótico-popular, que recordo das barracas de cassetes pirata constantes nas feiras onde, em criança, de dez em dez dias tentava esconder-me na multidão.

dirijindo-me à  saída, em memória de uma musa, repito o escarro na água-benta
.

2.9.03

a cidade está a inchar, por baixo da sua carapaça de tijolo, por entre os seus ossos de betão. estou de volta ao seu vigor, sou de novo o seu alimento e o seu predador - organito celular em falsa inanição ao serviço do grande monstro, subversiva dedicação ao meu religioso egoismo.

estou de volta ao teu sistema circulatório mais nervoso. estou de volta para me consumir e te ser consumido
.

1.9.03


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