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28.1.04

Como se Estivesse Apaixonado  

Para quem não sabe como é
(como se escreve um poema de amor)
eu vou dizer.

Como se estivesse apaixonado
Falar desse teu corpo exagerado
Que apenas aos meus olhos ganha cor,
De um coração em mim anteestreado
Num palco onde jurei fazer-te amor.
Esculpir esses cabelos impossíveis
Que nunca mãos algumas alisaram,
Desflorar esses vales inacessíveis
Onde os outros de vésperas naufragaram.
Contar como se ardesse de desejo
As pernas de cetim que tu me abriste
E a boca que se derreteu num beijo,
Soluço de sorriso que desiste.
Dizer, porquê? Se todo o mundo sabe
Que quando se ama não se escreve
E que, então, o tempo todo cabe
Naquele instante breve que se teve.
Contar o resto seria apenas feio,
Sentir o que não foi, deselegante.
Falar do que te disse pelo meio
Só se não fosse homem, nem amante...

- Fernando Tavares Rodrigues

27.1.04


O Beijo, 1931 - © Man Ray

26.1.04

Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo 

Não vou pôr-te flores de laranjeira no cabelo
nem fazer explodir a madrugada nos teus olhos.

Eu quero apenas amar-te lentamente
como se todo o tempo fosse nosso
como se todo o tempo fosse pouco
como se nem sequer houvesse tempo.

Soltar os teus seios.
Despir as tuas ancas.
Apunhalar de amor o teu ventre.

- Joaquim Pessoa

20.1.04

A Boca as Bocas 

Apenas uma boca. A tua Boca
Apenas outra , a outra tua boca
É Primavera e ri a tua boca
De ser Agosto já na outra boca

Entre uma e outra voga a minha boca
E pouco a pouco a polpa de uma boca
Inda há pouco na popa em minha boca
É já na proa a polpa de outra boca.

Sabe a laranja a casca de uma boca
Sabe a morango a noz da outra boca
Mas sabe entretanto a minha boca

Que apenas vai sentindo em sua boca
Mais rouca do que a boca a minha boca
Mais louca do que a boca a tua boca.

- David Mourão Ferreira


O Beijo, 1907-1908 - © Gustav Klimt

19.1.04

Sobre a Terra 

Sei que estou vivo e cresço sobre a terra.
não porque tenha mais poder,
nem mais saber, nem mais haver.
Como lábio que suplica outro lábio,
como pequena e branca chama
de silencio,
como sopro obscuro do primeiro crepúsculo,
sei que estou vivo,
vivo sobre o teu peito,
sobre os teus flancos,
e cresço para ti.

- Eugénio de Andrade

sem título, 2001 - © disconnection notice

16.1.04

Promessa 

És tu a Primavera que eu esperava
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante.

- Sophia de Mello Breyner


sem título, 2002 - © diós mío han matado kenny. bastardos

15.1.04

Construção  

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado

- Chico Buarque


sem título, 2002 - © Ane Loke

14.1.04

Legado 

Ele diz: creio na poesia, creio no amor, creio na morte,
exactamente porque creio na imortalidade. Escrevo
um verso, escrevo o mundo; existo; o mundo existe.
Da extremidade do meu dedo mínimo corre um rio.
O azul do céu é azul sete vezes. Esta pureza
é de novo a primeira verdade, a última das minhas
vontades.

- Yannis Ritsos


sem título, 2001 - © Viva Las Vegas

13.1.04

Song 

The weight of the world
is love.
Under the burden
of solitude,
under the burden
of dissatisfaction
the weight,
the weight we carry
is love.
Who can deny?
In dreams
it touches
the body,
in thought
constructs
a miracle,
in imagination
anguishes
till born
in human--
looks out of the heart
burning with purity--
for the burden of life
is love,
but we carry the weight
wearily,
and so must rest
in the arms of love
at last,
must rest in the arms
of love.
No rest
without love,
no sleep
without dreams
of love--
be mad or chill
obsessed with angels
or machines,
the final wish
is love
--cannot be bitter,
cannot deny,
cannot withhold
if denied:
the weight is too heavy
--must give
for no return
as thought
is given
in solitude
in all the excellence
of its excess.
The warm bodies
shine together
in the darkness,
the hand moves
to the center
of the flesh,
the skin trembles
in happiness
and the soul comes
joyful to the eye--
yes, yes,
that's what
I wanted,
I always wanted,
I always wanted,
to return
to the body
where I was born.

- Allen Ginsberg

12.1.04

Amo ergo sum, e precisamente nessa proporção.

- Ezra Pound

sem título, 2001 - © Misery

8.1.04

digital snapshot sequence + instant polaroid + silver print 

Luz esquiva
Atravessa o crivo
Da persiana
Verte-se sobre tua pele
Alva resplandecente
Do meu desejo

Fechados num cubo fechado a um passo do céu a um degrau do abismo
Do amor
Exalamos os perfumes libertos no macramé górdio em que repousam os corpos

Olho-te como se fosse pela primeira vez, surpreendido, ao ver uma nova parte do meu corpo repousante voltada a mim. Já nada sobra dos estertores da deleitosa luta feroz em que nos encontrávamos envolvidos minutos antes. És o sol da manhã dissipando a gélida outrora permanente neblina de desprezo, dor e inanição das rotundas do meu passado - mortalha de tormento estendida sobre o meu coração - iluminando as acidentadas avenidas que se estendem para além dos presentes deste meu presente. Honestamente espero que a tua nave espacial não venha buscar-te hoje. Perder-me-ia outra vez - uma imagem no espelho perante um original ausente. Aproximo-me de ti até quase te tocar em toda a tua superfície. Sinto os poros da tua pele a respirarem sobre os meus num compasso pausado - toda a paz que do mundo se perdeu desvendei-a comprimida, oculta no cofre desse teu balanço de vida. Resolvo outra equação numa incógnita e estendo as ideias pelo ar rarefeito da manhã, para que corem à radiação da tua luz nascente. Em breve me juntarei a ti no devaneio de sono a que estás entregue. Guardo esta fotografia para mais tarde.


sem título, 2002 - © taxi

Softly 

Softly kissing you as you lie sleeping
Breathing gently with you in your slumber
Your face is the picture of contentment
My angel's dreaming my angel's dreaming

Slowly opening your wondrous eyes on me
Shining green and glorious in the morning sun
This moment what could be more precious?
May it live forever may it live forever

(So happy with you)
I'm so happy with you
So happy with you
So happy with you
So happy with you

Smiling on me your love gives me all the blessings of this new day
The heat in your skin caresses my senses in such a glorious way

- Lamb


sem título, 2002 - © Tiberia

5.1.04

A Máquina Fotográfica 

É na câmara escura dos teus olhos
que se revela a água

água imagem
água nítida e fixa
água paisagem
boca nariz cabelos e cintura
terra sem nome
rosto sem figura
água móvel nos rios
parada nos retratos
água escorrida e pura
água viagem trânsito hiato.

Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado.
Já suei o suor de oito séculos de mar
o tempo de onze meses de ordenado;
por isso, meu amor, viajo a nado
não por ser português mal empregado
mas por sofrer dos pés
e estar desidratado.

Chego. Mudo de fato. Calço a idade
que melhor quadra à minha solidão
e saio a procurar-te na cidade
contrastada violenta negativa
tu única sombra murmurada
única rua mal iluminada
única imagem desfocada e viva.

Moras aonde eu sei.
É na distância
onde chego de táxi.
Sou turista
com trinta e seis hipóteses no rolo;
venho ao teu miradoiro ver a vista
trago a minha tristeza a tiracolo.

Enquadro-te regulo-te disparo-te
revelo-te retoco-te repito-te
compro um frasco de tédio e um aparo
nas tuas costas ponho uma estampilha
e escrevo aos meus amigos que estão longe
charmant pays
the sun is shining
love.

Emendo-te rasuro-te preencho-te
assino-te destino-te comando-te
és o lugar concreto onde procuro
a noite de passagem o abrigo seguro
a hora de acordar que se diz ao porteiro
o tempo que não segue o tempo em que não duro
senão um dia inteiro.

Invento-te desbravo-te desvendo-te
surges letra por letra, película sonora,
do sendo à vogal do tema à consoante
sem presença no espaço sem diferença na hora.
És a rota da Índia o sarcasmo do vento
a cãibra do gajeiro o erro do sextante
o acaso a maré o mapa a descoberta
dum novo continente itinerante.

- José Carlos Ary dos Santos


hands handling camera, 1991 - © Ana Ribeiro dos Santos

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